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Fogo para tratar madeira

Talvez o fogo seja uma mais antigas formas de fazer a madeira durar mais. Porém, pensando em tratamentos rústicos, escolhas anteriores ao corte parecem ajudar muito nesse intuito: cortar na lua certa (minguante; maré baixa – há controvérsias sobre esse critério!), no período do ano certo (meses sem “r”) e buscar a melhor madeira para cada tipo de finalidade.

Para que a madeira dure, protegê-la, quando possível, após o tratamento também é uma boa prática, evitando que pegue sol e chuva (sem falar nos vernizes e tratamentos químicos).

A madeira de uso interior, como a de móveis, desde que mantida isolada de possíveis fontes de fornecimento de água, tem uma umidade de equilíbrio situada ao redor de 14% e está, portanto, livre do ataque de fungos que só ocorre em umidade acima de 20%.

Processos Práticos para Preservar a Madeira, Embrapa (2004)

Deterioração

Basicamente, a madeira vai “estragar” como qualquer outra matéria, ou seja, por desgaste, ruptura, ou transformação de estado (por exemplo, através do fogo). E ela também vai “estragar” como qualquer outro ser vivo, ou seja, servindo de alimento para outros seres vivos, como cupins ou fungos. (Descobri que no meio aquático, alguns crustáceos e moluscos também podem atacar a madeira quando submersa.)

Quem já usou óleo queimado com intenção de proteger madeira recém-cortada sabe: se houver umidade, ela vai fungar mesmo assim. E fazendo meus experimentos aqui com pinus, vi que acontece o mesmo com o fogo: em pouco tempo depois de queimado o pinus, aquele mofo verde começa a brotar.

Apenas lembrando, madeira podre é madeira comida por fungos:

Nas madeiras apodrecidas é comum encontrar-se estruturas vulgarmente denominadas “orelhas-de-pau”. Nada mais são que corpos de frutificação de macrofungos. Esses fungos têm na madeira seu alimento. Os corpos de frutificação produzem grande quantidade de minúsculas “sementes”, denominadas esporos. Levados pelo vento e em condições favoráveis de umidade, temperatura e aeração, os esporos germinam, produzindo finíssimos filamentos denominados hifas, que penetram na madeira. Essas hifas formam o corpo vegetativo do fungo, ou o micélio. O apodrecimento da madeira ocorre devido à atuação de enzimas, isto é, compostos químicos produzidos pelo fungo. Depois, em condições favoráveis, corpos de frutificação podem ser formados no exterior da peça atacada.

Processos Práticos para Preservar a Madeira, Embrapa (2004)

Bom, mas então se não serve pra fungo, pra que serve tratar madeira com fogo? Ou que tal mudar a pergunta: em que condições o fogo é um bom tratamento?

Yakisugi

Uma técnica que ficou bem conhecida é a Shou Sugi Ban ou Yakisugi, algo que em japonês significa “cedro queimado”. É curioso que sugi seja traduzido como “cedro japonês”, mas a espécie na verdade é um cipreste. O procedimente consiste em queimar uma pequena camada superficial da tábua com o objetivo de evitar os “bichos”, pois cupins e fungos não comem carvão (pois não há mais celulose na superfície), a umidade (pois o fogo sela a madeira) e retardar o fogo (pois o carvão tem menor condutividade térmica que a madeira).

O jeito tradicional de executar a técnica é juntar três tábua numa seção triangular, formando uma chaminé. Coloca-se um combustível na parte inferior (que pode ser papel, palha, galhos) e ateia-se fogo, cuidando para deixar o ar entrar por baixo e ser sugado pela “chaminé”. Depois, vira-se para queimar a partir da outra extremidade, de modo a ter uma queima o mais homogênea possível. Aqui tem um vídeo de um japonês mostrando o que tentei descrever.

Minha experiência

Para tratar os esteios do Viveiro e da Casa de Sementes do Rancho sem Nome, em Rolante, simplesmente fizemos uma fogueira e passamos lentamente as toras por cima. Queimamos apenas a partes que seriam enterradas. E no caso dos esteios da casinha de compostagem, fiz o mesmo, mas com um pouco mais de método e em toda a superfície das peças.

Queimando toras de eucalipto

Dispus um esteio sobre cavaletes, que ficava mais ao lado da fogueira. As outras peças iam apoiadas em cima, sendo facilmente manipuladas para serem queimadas uniformemente. Como os pinus eram bem menores e mais leves que os eucaliptos, a operação foi mais fácil.

Queimando os caibros de pinus

Resultados, até agora

O esteios de eucalipto foram enterrados e o buraco coberto com cimento. Esperamos que o uso do cimento no lugar de terra e pedra faça durar a madeira por dificultar o acesso dos cupins subterrâneos. Porém, como faz vários meses que eles foram instalados e ainda não há cobertura, a umidade vai favorecer o apodrecimento. Como foi usado eucalipto vermelho, até agora não apareceu nada de fungo.

(Uma outra opção para preencher os buracos dos esteios seria alternar camadas de areia com cal. Por mais que a areia permita a entrada de água (e sua drenagem também), a cal cria um ambiente básico/alcalino (o contrário de ácido) que dificulta a entrada de cupins e fungos – dos seres vivos em geral.)

Os esteios da casinha de compostagem foram apoiados sobre pedras, o que manteve-os afastados do solo. Porém, o material usado na composteira entrou em contato direto com a madeira, o que tornou o ambiente (úmido e quente) favorável para o aparecimento de fungos, ainda que fora da terra. As madeiras que ainda estavam verdes, mesmo depois de queimadas, fungaram no segundo dia, ainda descansando, sem nem terem entrando em contato com a pilha de compostagem (que é feita para fungar!).

Outras considerações

  • Cada espécie possui uma resistência natural a fungos e cupins. Nos tratamentos sem uso de químicos, é muito provável que essa propriedade intrínseca seja o fator chave na durabilidade da peça. Um eucalipto vermelho naturalmente resiste muito mais que um pinus.
  • Todos os tratamentos parecem funcionar melhor em madeiras secas (o contrátio de verdes), cortadas há tempo.
  • Proteger as madeiras da chuva e de fontes de umidade evita o aparecimento de fungos (de cupins também).
  • A queima sem muito controle pode prejudicar a capacidade estrutural da peça. Se ocorrer a torrefação, a madeira estará em ótimas condições para ser usada para gerar calor (carvão!). A técnica japonesa parece ser usada somente para tábuas, sem função de suporte de carga. Este artigo científico afirma que se a cabonização (madeira virar carvão) acontecer apenas na superfície, não há redução na resistência da peça.

Referências:

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