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Roda nova para o carrinho de mão

Não é incomum termos problemas com as rodas dos carrinhos de mão, geralmente o pneu fura ou os rolamentos desmontam sozinhos. Uma vez construí com um amigo um carrinho de mão todo de madeira e bambu. Pena não ter uma foto dele aqui para mostrar. As duas hastes onde a gente agarra para empurrar e controlar a direção eram de bambu. O resto eram pedaços de tábuas de pinus.

A inspiração veio do Manual da Arquitetura Descalça, de Van Lengen:

Dessa vez, eu já tinha o carrinho de metal, porém a roda estava … irreconhecível. Nunca tinha vista um troço assim, hehe.

Dizem que o domínio do fogo mudou o curso da nossa espécie. Mas ninguém inventou o fogo – ele tava lá desde sempre, acontecia. A roda, porém, dizem que, essa sim, foi a (primeira) maior invenção humana. Entretanto, um tio meu disse uma vez: “a roda não é algo incrivelmente inteligente, algo novo. O formato é óbvio demais, basta olha para o céu: o sol é redondo. A lua é redonda. As árvores tem o tronco redondo. Por outro lado, a figura que realmente deve ter tirado a noite dos primatas foi invenção do triângulo!”

Fora a geometria, uma circunferência com volume e matéria, ou seja, um disco, tem a maravilhosa utilidade de fazer as coisas rolarem, coisas muito pesadas inclusive. E o formato da roda vai definir sua função, ou o contrário: cada uso com sua roda.

No diário da Viagem do Beagle, Charles Darwin conta que no Brasil as estradas eram tão ruins, mesmo as principais, que “nenhum veículo com rodas, exceto os desajeitados carros de boi, poderia usá-las.” E mais adiante, ao fazer uma “pequena” viagem de Buenos Aires até Santa Fé (470km pelo asfalto de hoje), escreveu: “as estradas perto da cidade, após uma chuva, eram extraordinariamente ruins. Nunca teria passado pela minha cabeça que seria possível um carro de bois atravessá-las. Andávamos, a duras penas, dois quilômetros por hora.” E a descrição que Darwin faz desses veículos é a seguinte: ¨são muito longos, estreitos, protegidos por um telhado de junco; possuem apenas duas rodas, cujo diâmetro, em alguns casos, alcança 3 metros.”

Tudo isso para dizer que nos caminhos que costumamos transitar aqui no sítio, tem uma característica das rodas que é muito importante: o tamanho. A largura costuma ser relevante em terrenos arenosos ou moles. Mas numa estrada cheia de pequenos buracos e pedras, um grande diâmetro faz com que “pulemos” esses obstáculos.

Então, por que será que os carrinhos de mão que encontramos à venda possuem rodas tão pequenas? Sem contar que, dependendo da inclinação (ou tamanho de quem está empurrando), é bem fácil empacar por causa que a proteção dianteira esbarrou em alguma coisa, muitas vezes era apenas o chão!

Assim, com uma roda em frangalhos e a ajuda de Darwin, eu poderia dar um salto evolutivo e construir uma roda de madeira, com o maior diâmetro possível.

A roda “original” tinha 24cm de diâmetro (como mostra a foto lá de cima, a parte rígida é uma peça só de metal). O pessoal tava usando assim mesmo, pois não queria comprar um pneu novo e do jeito que estava não tinha o inconveniente de furar. Medindo o espaço disponível entre o mancal/apoio do eixo e a caçamba, de um lado, e a proteção dianteira, de outro, descobri que era possível fazer uma roda com uns 38cm.

Aproveitando as madeiras que tinha e pensando em botar algo como “pneu”, fiz uma roda de 35cm da seguinte forma: juntei duas tábuas de 20cm por 35cm (aproveitei uma que já estava cortada) formando um retângulo de 40 x 35cm. Por cima delas, fazendo com que as fibras das madeiras de cima ficassem perpendiculares às fibras das de baixo, preguei uma segunda dupla de tábuas de mesmo comprimento. Tudo seria mais fácil se tivesse um quadrado para trabalhar, mas não era o caso…

Com as tábuas bem pregadas e firmes umas nas outras, peguei a tampa de uma balde para servir de molde e tracei a circunferência. Em seguida, cortei com a tico-tico.

Agora vem mais um mistério da geometria: como encontrar o centro de uma circunferência? O centro de um triângulo até que é meio óbvio, mas o da circunferência já dá um pouco de insônia.

O jeito mais fácil que encontrei foi desenhar um quadrado (bem quadradinho) que estivesse bem junto por fora ou por dentro da circunferência. Aí, é só traçar as diagonais. O ponto de encontro delas é o centro que estamos buscando.

Porém, infelizmente eu já tinha cortado as madeiras! Não havia mais quadrado para traçar as diagonais.

Entretanto, provavelmente há muitos anos atrás, uma pessoa que trabalhava com madeira já tinha se deparado com esse problema nos deu a solução, usando duas ferramentas comuns na marcenaria: o esquadro e a régua.

Aqui um exemplo de como encontrar o centro. Esse era um cilindro feito de cocão para um moedor de cana que não deu certo.

O procedimento é o seguinte: apoiar a peça redonda dentro do ângulo do esquadro e alinhar a régua com a marca de 45 graus. Se a peça for uma circunferência perfeita, com duas marcações já daria para encontrar o centro. Porém, nas vezes que que usei essa técnica, fiz vários riscos em diferentes ângulos para ter uma ideia de onde era o centro, pois a gente sempre dá umas desviadas quando tá cortando.

Sabendo a posição do centro, aí é só fazer o furo para passar o eixo. Quando se trabalha com metal, dá para ter mais precisão nas dimensões das peças e o eixo encaixa justinho nos rolamentos. No caso da madeira, não. Tive que deixar uma folga maior para que a roda girasse tranquilamente. Só que essa folga deixa a roda bamba. E com o tempo e o peso das cargas no carrinho, o furo da madeira vai se deformando, tornando a roda mais bamba ainda.

Para evitar que isso aconteça, coloquei duas peças quadradas de cada lado da roda, meio que funcionando como “arruelas”. A largura e altura dessas “arruelas” impedem a roda de sair tanto do eixo vertical, o que imagino que dê mais tempo de vida para esta maravilhosa invenção da humanidade.

Pra finalizar, preguei uma tira de pneu de bicicleta no contorno exterior para ver se ela dura mais.

Referências:

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