Essa é a segunda parte do texto sobre o Japão no período Edo no site Resilience.org. A tradução da primeira parte está aqui. Cortei umas partes para agilizar a leitura.
Parte 2: Sistemas de Energia
No artigo anterior, introduzimos alguns dos elementos que tornaram possível uma sociedade sustentável no Período Edo durante 250 anos. As informações vieram do trabalho de Eisuke Ishikawa, um dos principais pesquisadores do Japão no Período Edo, e seu livro “O Período Edo teve uma Sociedade Recicladora” (“O-edo recycle jijo”), publicado em 1994, Kodansha Publishing Company.
Falamos no outro texto das práticas de reutilização e reciclagem do Período Edo e nesta postagem nos concentraremos em seus sistemas de energia, mostrando que naquela época o Japão era uma nação que funcionava com base em plantas.
Como foi mencionado, a população do Japão durante o Período Edo foi de aproximadamente 30 milhões de pessoas, um nível que permaneceu relativamente constante ao longo de dois séculos e meio. A população de Edo, na época a maior cidade do mundo, foi estimada em 1 milhão para 1,25 milhões de pessoas.
Durante aproximadamente esses 250 anos, o Japão era autossuficiente em todos os recursos, pois nada poderia ser importado do exterior devido à política nacional de isolamento.
A sociedade do Japão durante o Período Edo foi conduzida apenas com energia solar. As plantas transformam a energia solar, usando água e gás carbônico, em ramos, madeira, caules e frutas. Se você colher e usar como energia os ramos, plantas e frutas que cresceram no ano passado, você estará usando a energia solar do ano passado em forma de planta.
Durante o Período Edo, cerca de 80% dos produtos consumidos diariamente foram feitos a partir da energia solar do ano anterior e 95 por cento foi derivado da energia solar recebida nos últimos três anos. Isso significa que a sociedade Edo era uma sociedade sustentável na qual quase tudo o que era necessário para viver era fornecido pela energia solar dos últimos dois ou três anos.
A chave para usar a energia solar na fabricação de bens e materiais e reciclá-los até o final era a utilização completa de plantas. Quase todos os bens e materiais para alimentos, roupas e abrigo eram feitos de plantas. Neste sentido, quase tudo era feito de energia solar, com exceção de pedra, metal, cerâmica e outros materiais baseados em minerais.
O autor Ishikawa escreveu que o Japão no Período Edo não era apenas um “país agrícola” mas também um “país baseado em plantas” que coexistia e dependia de plantas para a produção e reciclagem de tudo.
Tome por exemplo a iluminação. A geração de energia comercial e a transmissão começaram em novembro de 1887 no Japão, quando o primeiro gerador de eletricidade movido a combustíveis fósseis foi colocado em operação. Até aquele momento, toda a iluminação no Japão vinha de lanternas de papel e velas de cera que usavam óleo e cera produzidas localmente.
O óleo para iluminação vinha principalmente de sementes de gergelim, camélia, colza e algodão. Pessoas em regiões onde pescadores caçaram baleias usaram óleo de baleia, e pessoas em áreas onde pescadores pegaram sardinhas usaram óleo de sardinha. A torta de óleo que restava da extração do óleo também era usada como um fertilizante de nitrogênio de ótima qualidade.
A cera era feita espremendo a resina das nozes de sumac (Rhus coriaria) e outras árvores. Uma vez que a produção de velas de cera era demorada e elas eram muito caras, havia compradores especializados que coletavam as gotas das velas, como comentado na postagem anterior.
Dessa forma, as pessoas usaram seu próprio poder humano para extrair energia solar dos anos anteriores armazenados em plantas e usaram essa energia para iluminação.
O arroz tem sido há muito tempo um alimento básico para os japoneses, e a palha é um subproduto da sua produção, um resíduo deixado depois de bater o arroz para obter o grão. Para cada 150 quilogramas de arroz, cerca de 124 quilogramas de palha são produzidos. A palha era um recurso precioso para uma ampla gama de usos relacionados com alimentos, roupas e abrigo no passado.
Os agricultores usaram cerca de 20% da palha produzida para fazer commodities diárias, 50% para fertilizantes e os restantes 30% para combustível e outros fins. As cinzas deixadas após a queima da palha foram usadas como fertilizante de potássio. Em suma, 100 por cento da palha era usado e reciclado de volta à terra.
Para fins de vestuário, a palha era usada para fazer chapéus trançados, capas de chuva de palha e sandálias de palha, entre outros itens. Os agricultores produziam tais itens durante a entressafra para seu próprio uso e como produtos para serem vendidos.
Em relação aos alimentos, a palha era usada para fazer sacos para o próprio arroz, suportes de panela, e cobrir materiais para produzir “nato” ( soja fermentada). Os agricultores também usavam palha para alimentar gado e cavalos e cobrir as áreas de plantio. Resíduos animais misturados com palha resultavam em composto para a agricultura.
Na questão do abrigo, a palha era um material de construção comum para fora e dentro da casa, incluindo telhado, tatamis e paredes de argila. Como você pode ver, palha, um subproduto de arroz, foi usada amplamente na vida diária e uma vez descartada ou queimada, voltava para a terra.
Além de palha, a seda, o algodão, o cânhamo e outros materiais cultivados foram usados para fazer roupas. O papel era feito da casca da árvore “kozo”. Como apenas os ramos eram cortados para obter casca, não houve preocupação de corte excessivo de árvores. E havia muitos tipos de recicladores para papel usado naqueles dias.
Para o calor, carvão feito de madeira era usado nos fogões “hibachi” e “kotatsu” (uma lareira com cobertura). A lenha era usada para aquecer banhos. Como tais combustíveis de madeira vinham do mato, em vez de florestas de longa data, toda essa energia utilizada para a vida diária era derivada da energia solar de um a dois anos passados, na forma de ramos e madeira.
O autor Ishikawa fez um cálculo interessante. Atualmente, o estoque de árvores per capita no Japão é de cerca de 50 toneladas. A taxa média de crescimento das árvores é de cerca de 5% por ano, produzindo um dividendo de 2500 kg de árvores per capita a cada ano, o que, se queimado, produziria cerca de 10 milhões de quilocalorias de energia.
Hoje, a pessoa média japonesa usa 40 milhões de quilocalorias por ano. Isso significa que um quarto de nossa exigência de energia poderia ser atendido com lenha hoje se todo o incremento anual foi queimado. Levando em conta que o Japão no Período Edo tinha cerca de um quarto da população atual, todas as suas necessidades de energia poderiam ter sido atendidas com lenha, mesmo nos níveis atuais de consumo per capita.
Quase tudo foi impulsionado pelo poder humano no Período Edo, então o consumo de energia teria sido uma fração do nível atual. Além disso, a área florestal do país era maior do que é hoje, o que significa que as pessoas no Período Edo precisavam menos do que o incremento anual natural de árvores em crescimento para satisfazer suas necessidades energéticas.