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Fibras para artesanato

Faz anos que tenho interesse nas fibras vegetais e vontade de experimentar com elas. Na permacultura, sempre que falamos de ecologia cultivada, nos referimos à obtenção de comida, energia, materiais para construção e fibras. Cuidar das plantas, do solo, dos animais e da água está diretamente relacionado com a aquisição ou coleta sustentável de alimento e lenha. Sobre essa parte, tenho visto várias iniciativas e materiais, indo da agricultura sintrópica até cultivos flutuantes em pequenos açudes. Mas e as fibras?

Depois da difusão massiva dos plásticos, devido ao seu baixíssimo custo financeiro e da sua praticidade para fazer vasilhas, potes, caixas, roupas, telhados, paredes, etc., as fibras naturais foram lançadas ao campo do artesanato. Como comenta o arqueólogo e escritor Alexander Langlands (Inglaterra) em algum momento da sua série de vídeos sobre a confecção de cestos, “antigamente eles eram feitos para o trabalho, para durar e serem consertados; hoje só precisam ser bonitos.”

Apesar de atualmente não conseguirmos ver facilmente a utilidade das fibras, pois não estão mais presentes no nosso cotidiano, suas funções são diversas. Elas poderiam substituir os plásticos e materiais industriais em um sem número de situações. Por exemplo, o bambucreto onde se troca os vergalhões por ripas de bambu na construção de pisos, baldrames (tipo de fundação) e cisternas; o sisal e o rami, as cascas da embira, embiruçu e da grandiúva para a confecção de cordas estáticas (que não esticam); diversos capins para os telhados e isolamento térmico e acústico (como o Santa Fé); a taboa e a fibra da bananeira para tapetes, cortinas, esteiras e assentos de cadeiras; o bambu e o papiro para fazer papel; e ainda tem balaios, armadilhas, roupas, travesseiros e colchões, redes, velas de barcos, e assim por diante.

Bambucreto. Fonte: https://dolmen.com.ar/

De quais fibras quero falar aqui?

Esse texto ficaria muito genérico se eu não fizesse algum recorte. Afinal, fibras são simplesmente uns fiapinhos resistentes à tração e estão presentes na estrutura de tudo que é vivo, das madeiras até os nossos músculos. O primeiro recorte é a origem. As fibras industriais como fibra de carbono, kevlar, fibra de vidro, cabos de aço, etc. são usadas para fazer todo tipo de geringonça tecnológica de alto custo energético e não retornável e por isso ficarão de fora. Dentro das fibras naturais, temos principalmente as de origem vegetal e animal (também há fibras feitas de cogumelos e algas). No momento, deixarei as produzidas pelos animais (lã, seda, etc.) também de fora. Dentro das vegetais, também não falarei agora das madeiras, que é todo um universo.

As que sobraram, ironicamente, não encontrei melhor forma de nomeá-las do que “fibras para artesanato”.

Tipos de fibras vegetais

Não sei se existe a classificação que vou fazer a seguir, mas foi o melhor jeito que encontrei para diferenciá-las:

  • Maleáveis: são as fibras moles, geralmente obtidas das cascas das árvores e arbustos (rami, cânhamo, juta), dos agaves (sisal), da bananeira, das folhas de palmeiras (raffia, buitá, buriti), palha do milho, talo do linho, casca da urtiga. O algodão e a paineira também entrariam aqui, apesar de suas fibras serem produzidas pela semente. Comumente são usadas para fazer cordas, bolsas, redes, ou seja, objetos moles.
  • Duras: são fibras flexíveis, mas que não amassam facilmente quando comprimidas no sentido da fibra, como os ramos novos (vime, salgueiro), bambu, junco, tiririca gigante, cipós. Têm função geralmente estrutural e compõem cestos, balaios, armadilhas, cadeiras.
  • Semi-maleáveis: seriam aquelas que precisam de um jeitinho pra se dobrar sem quebrar, como os talos de alguns capins (trigo, arroz), acícula (folha) de pinus. Seus usos são parecidos principalmente aos das fibras duras. Um caso que me vem à mente de semelhança com as maleáveis, porém, são os chinelos de capim (feitos no oriente) e os de agave/yucca (feitos no México).
Antiga sandália feita de agave

Essas categorias talvez sejam úteis, não sei. Mas não são muito rígidas. Vejamos o bambu, por exemplo. Se ele for usado em ripas, então seria uma fibra dura. Mas se for cortado bem fininho, já se comporta como uma semi-maleável. Agora, se a gente esmagar ele, dá para fazer papel, mas também fio para tecer.

Algumas descobertas

Demorei bastante tempo para me dedicar a pesquisar e experimentar com as fibras vegetais. Comecei com uma bem óbvia, o bambu. Depois, tentei usar o capim rabo-de-burro para fazer telhado, mas ele apodreceu muito rápido. Com o bambu-trepador (caraá ou criciúma) que cresce na mata atlântica, tentei fazer cestos, sem sucesso. Até que muitos anos depois, extraí a fibra da bananeira e finalmente consegui fazer alguns objetos.

Em outra postagem, vou mostrar um chapéu de folha de butiá, um cesto de cipós, uma bolsa de corda de fórmio (Phormium tenax). Nesse momento, porém, queria compartilhar algumas descobertas que me surpreenderam.

Uma vez assisti um vídeo em que a pessoa saía pelo jardim buscando plantas para fazer cordas. Achei aquilo muito ousado, pois, afinal, já tem várias fibras bem conhecidas para trabalhar. A pessoa ia, então, catando capins, ervas danihas, uns arbustinhos e testando.

Instigado pelo vídeo, saí andando pelo sítio. A primeira planta que me acenou, pois estava por tudo e eu vivia lutando contra ela, foi o capim pangolão (assim é como chamam-na aqui, talvez seja a Digitaria pentzii). É um capim comprido, podendo chegar a uns 2 metros de comprimento, que se alastra por tudo e cria um colchão muito espesso sobre o solo (por sinal, uma maravilha da natureza para a regeneração). Com ele, depois de seco, mas ainda flexível, fiz um cestinho.

Espiral que fiz com o capim pangolão

Depois, foi a vez da guanxuma. Todo mundo reclama que ela é muito difícil de puxar do solo, que não dá para roçar com o fio, lá lá lá, ou seja, ela é bem resistente. E tem em todo lugar! Existem muitas espécies de guanxuma e eu não saberia dizer qual foi a que usei. Nunca tinha ouvido falar que daria para usá-la para fazer cordas, mas, depois de experimentar, tive certeza. E em todas as pesquisas que fiz na internet [ppmac.org, usefultroppicalplants], sempre apareceu esse uso. Para ter uma ideia, lá fora ela tem nomes bem sugestivos, como “juta cubana” e “cânhamo indiano”. Agora, será que é a mesma que temos aqui no RS?

Corda que fiz com a guanxuma

Buscando varetinhas para fazer um cesto, quem me chamou dessa vez foi uma planta que, num primeiro momento, achei que fosse uma tiririca gigante. Até parece uma tiririca comum de horta, mas possui um talo muito maior (não tão grande quanto o papiro). Nesse site, tem fotos de muitas espécies de Ciperáceas, mas nenhuma é a que encontrei aqui em casa. Porém, agora acho mais provável que seja um tipo de junco.

Quando sequei a haste da flor ela ganhou certa rigidez mantendo flexibilidade. Mas não me pareceu muito resistente. Também experimentei retirar a fibra da casquinha, com a qual fiz uma corda muito fina. Além disso, um vizinho me disse que antigamente faziam telhado de “tiririca do banhado” (o que aponta para o junco novamente).

Experimentei também usar a casca do feijão guandu, mas sem sucesso. Esse palpite veio da semelhança que encontrei entre sua casca e a da crotalária. A Crotalaria juncea, em inglês, é também chamada de “cânhamo do sol” (sun hemp), e como o nome sugere, é muito usada para fazer cordas. Mas não consegui fazer nada nem com uma, nem com a outra.

Por fim, a última surpresa que tive com as fibras foi a astrapeia (Dombeya wallichii). Estava fazendo um corte raso num arbusto para fazer estacas e quando lasquei um caule, notei aquela fibra longa. Tentei arrebentar com as mãos e nada. Fiz uma corda para testar.

Outros usos

Além de ter uma função estrutural, como no caso dos bambus e cipós em balaios, ou de amarras, como o rami e a guanxuma, muitos objetos usam as fibras como enchimento. Por exemplo, vejamos a técnica de fazer cestos em espiral com taboa ou folha de pinheiro.

Artesanato de palha de pinheiro

Nessa técnica, a gente faz um feixe de alguma fibra e vai enrolando e amarrando/costurando. À medida que a espiral vai se formando, vamos repondo palha ao feixe, mantendo sua espessura. Dessa forma, dá para usar muitos tipos de capins, palhadas, ramas, ou qualquer coisa comprida e mole como sacolas plásticas ou rolinhos de papel.

A mesma coisa pode funcionar para a técnica do tear. Depois de montar a “mesa” com os fios, podemos tramar várias fibras, sempre pensando no uso.

Referências

O youtube é a minha grande fonte de informações sobre as fibras. Tem muita coisa lá. Também busquei por livros em português, mas impressos não encontrei nenhum com descrição de técnicas ou das fibras. Entretanto, tenho vários livros digitais em inglês. Abaixo segue uma pequena lista com sugestões:

  • Sally Pointer: arqueóloga britânica, pesquisadora de técnicas e tecnologias têxteis antigas. Seu canal no youtube possui muitos vídeos explicando como se faz cordas, redes, nalbinding, etc.
  • Chico Abelha: pesquisador da cultura popular brasileira, viaja o Brasil todo registrando o que as pessoas fazem e como. Ele mostra técnicas de artesanato com bambu, palha de milho, cipós, etc.
  • Eugenio Monesma: documentarista espanhol, filma “oficios perdidos, nuestras fiestas, tradiciones, leyendas, gastronomía tradicional, costumbres y rituales”. Apresenta várias técnicas onde fazem balaios, alpargatas, cordas, etc.
  • Straw Plaiting: Heritage Techniques for Hats, Trimmings, bags and baskets, de Veronica Main e Marian Nichols.
  • Secrets of spinning, weaving, and knitting in the Peruvian Highlands, de Nilda Alvarez.
  • Basketry today with materials from nature, de Dona Z. Meilach, Dee Menagh
https://dorasantoro.blogspot.com/2013/04/feito-de-palha.html

Numa próxima postagem, vou mostrar o que tenho feito e os experimentos com as fibras não-convencionais que encontro pelo mato ou campo.

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