O texto a seguir é uma tradução da discussão final do artigo Meta-analysis unveils differential effects of agroforestry on soil properties in different zonobiomes (Meta-análise desvela os diferentes efeitos das agroflorestas nas propriedades do solo em diferentes zonobiomas, publicado em 2024 na revista Plant Soil (DOI: https://doi.org/10.1007/s11104-023-06385-w)
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Reguladores chave dos efeitos das agroflorestas nas propriedades do solo
Nossa meta-análise mostrou que as condições climáticas, seguidas pelo manejo agroflorestal e a seleção de espécies arbóreas, regulam predominantemente os efeitos das práticas agroflorestais na qualidade do solo. Fatores climáticos, tais como temperatura e precipitação, influenciam diretamente o crescimento e o desenvolvimento das árvores e dos cultivos em climas temperados, tropicais e mediterrâneos.

A temperatura influencia diversos outros processos chave, incluindo a fotossíntese, a respiração e a absorção de nutrientes, assim como os estágios fenológicos das plantas, como floração, frutificação e queda das folhas. Embora temperaturas ótimas possam promover o crescimento da planta e a produtividade já que melhora a mineralização de nutrientes e a atividade fotossintética, temperaturas extremas (ou seja, ondas de calor e geadas) podem induzir um estresse na plantas e retardar seu desenvolvimento.
Além disso, as variações de precipitação, em termos de intensidade, frequência, duração e distribuição sazonal, afetam significativamente o crescimento, o desenvolvimento e a produtividade dos sistemas agroflorestais, pois alteram a disponibilidade de umidade no solo. Por exemplo, chuvas insuficientes podem levar a um estresse hídrico que pode afetar o estabelecimento, desenvolvimento e produtividade geral de árvores e cultivos. Por outro lado, chuvas excessivas podem levar o solo a uma anaerobiosis (falta de oxigênio), erosão e lixiviação de nutrientes, afetando, assim, negativamente a fertilidade do solo e o crescimento das plantas.
Este estudo mostrou que as condições climáticas regulam significativamente os efeitos das agroflorestas na qualidade do solo, especialmente nos ambientes mediterrâneos e temperados. Nos climas mediterrâneos, existe um pronunciado verão quente e seco, o que é caracterizado por padrões de precipitação baixa ou irregular e altas temperaturas. Durante esse período, as árvores e os cultivos das agroflorestas podem experimentar pouco crescimento e produtividade, principalmente devido à escassez de água e o estresse associado. Em contraste, climas temperados experimentam precipitações mais moderadas e igualmente distribuídas ao longo do ano. Eles são geralmente caracterizados por verões brandos e invernos com menos flutuações extremas de temperatura. As condições relativamente favoráveis do clima temperado podem melhorar bastante a diversidade e a produtividade gerais dos sistemas agroflorestais e os serviços ecossistêmicos associados, incluindo a melhoria da qualidade do solo.

Em resumo, as diferenças mais marcantes nas respostas à qualidade do solo aos sistemas agroflorestais nos ambientes tropicais, temperados e mediterrâneos estavam associadas com fatores climáticos.
As respostas dos indicadores da qualidade do solo às agroflorestas dependem enormemente do manejo, especialmente nos ambientes temperados e tropicais. Deve-se notar que os sistemas de plantio em aleias (que envolvem o plantio de árvores ou arbustos e cultivos anuais em linhas alternadas) e os sistemas silvopastoris (que integram animais e árvores) são amplamente praticados em ambientes temperados. Esses sistemas podem melhorar a estrutura do solo, a ciclagem de nutrientes e o manejo de água, além de fornecer sombra e quebra-ventos para reduzir os danos aos cultivos paralelos. Sistemas agroflorestais temperados frequentemente priorizam a integração de espécies economicamente valiosas de árvores, incluindo carvalho, nogueira e cerejeira, as quais fornecem múltiplos benefícios, como por exemplo, produção de madeira, conservação da biodiversidade e sequestro de carbono. Nos ambientes tropicais, os sistemas agroflorestais comumente praticados são os sistemas multi-estratos, nos quais diferentes espécies de árvores crescem em diferentes camadas (estratos) ao lado de cultivos anuais. Os sistemas agroflorestais tropicais são também caracterizados pela combinação diversificada de árvores, cultivos e animais. Essa diversificação não apenas melhora a fertilidade do solo, a produtividade geral do sistema e produz meios de vida mais sustentáveis, como também fornece habitats para a vida selvagem e conservam a biodiversidade, e ainda podem levar a uma produtividade mais alta em comparação com os sistemas de monocultivo.

Além disso, o projeto e a configuração adequados da agrofloresta pode contribuir para aumentar a interceptação de luz, ciclagem de nutrientes e a regulação microclimática, que são essenciais para o crescimento e desenvolvimento dos cultivos. Por exemplo, o arranjo e o espaçamento das árvores em sistemas tropicais tiveram influência significante sobre a quantidade de luz que chegava nos cultivos, maximizando assim a produção. Quando as árvores estão posicionadas estrategicamente, elas reduzem o estresse por calor ao fornecer sombra durante os períodos de sol mais forte. Adicionalmente, o arranjo e espaçamento podem determinar significativamente a penetração de luz, o efeito do vento nos cultivos e a competição das árvores por recursos. Além disso, projetar sistemas agroflorestais diversos e multi-estrato, com diferentes espécies arbóreas e diferentes combinações de grupos funcionais, pode fornecer múltiplos serviços ecossistêmicos, incluindo aumento do sequestro de carbono e da retenção de umidade no solo, regulação microclimática e, consequentemente, promover a estabilidade ecológica e reduzir a vulnerabilidade aos extremos climáticos.
A escolha das espécies arbóreas a serem usadas nos sistemas agroflorestais é um fator importante pois ele determina as funções e os serviços ecológicos fornecidos, incluindo ciclagem de nutrientes, melhoria do solo e aumento da biodiversidade. Nosso estudo revelou que a seleção das espécies de árvores é o terceiro fator chave que regula os efeitos das práticas agroflorestais na qualidade do solo em ambientes tropicais, temperados e mediterrâneos. Entretanto, essa seleção pode também ser influenciada por diversos outros fatores. Primeiro, a adaptabilidade das espécies às condições agroecológicas específicas, como tipo de solo, clima e disponibilidade de água. Isso se baseia no fato de que diferentes espécies arbóreas possuem distintos níveis de tolerância às condições agroecológicas. Em climas temperados, é recomendado combinar as espécies de árvores com as condições ambientais específicas, pois o sucesso de um sistema agroflorestal temperado depende fortemente da habilidade das árvores de se adaptarem e vingarem em conjunção com seu entorno. Em ambientes tropicais, onde o clima é tipicamente quente e úmido durante todo o ano, as espécies arbóreas mais adaptadas às chuvas e o calor são geralmente priorizadas. Nos ambientes mediterrâneos, é preciso plantar árvores com alta tolerância à seca e grande habilidade de resistir a altas temperaturas. Portanto, é favorável usar espécies nativas pois elas são melhor adaptadas às condições climáticas locais (por exemplo, altas temperaturas e chuvas intensas), aos tipos de solo (solos pobres) e às pragas, para aumentar as chances de sobrevivência e crescimento.

Segundo, a seleção das espécies de árvores é influenciada pelas suas características funcionais, incluindo a arquitetura do sistema de raízes, habilidade de ciclagem de nutrientes e interações árvores-microrganismos-solo. Por exemplo, espécies com raízes profundas podem acessar camadas mais profundas do solo, aumentando assim sua eficiência na retirada de água e nutrientes. Espécies fixadoras de nitrogênio podem melhorar a fertilidade do solo e, no final das contas, promover o crescimento dos cultivos devido a um efeito de assistência. Terceiro, a seleção das espécies arbóreas deve levar em consideração os objetivos específicos do sistema agroflorestal em particular. Por exemplo, em ambientes temperados, onde os sistemas agroflorestais são comumente usados para produção de madeira, a seleção de espécies de crescimento rápido com alto valor madeireiro são priorizadas. Em ambientes tropicais, onde os sistemas agroflorestais frequentemente têm vários propósitos (comida, sombra, conservação do solo, etc.), a seleção de espécies de árvores é baseada na produção de diversos benefícios. Além disso, é importante considerar a compatibilidade das árvores com os cultivos ou os animais pois isso pode afetar diretamente a produtividade e a sustentabilidade dos sistemas agroflorestais. Geralmente, se a seleção das espécies arbóreas em sistemas agroflorestais é manejada holística e adequadamente, ela não apenas irá maximizar os benefícios econômicos, mas também fornecerá múltiplos serviços ecossistêmicos, incluindo melhoria da qualidade do solo, conservação da água e da biodiversidade.
Em resumo, nossa meta-análise enfatiza a significância da seleção das espécies de árvores como um determinante do sucesso da agrofloresta. Entretanto, quando considerado o contexto mais amplo dos sistemas agroflorestais nos climas tropicais, temperados e mediterrâneos, o impacto das condições climáticas e o manejo agroflorestal sobrepassa a influência da seleção das espécies arbóreas nos resultados gerais. Além disso, para aprofundar nossa compreensão sobre os efeitos dos sistemas agroflorestais, é imperativo que estudos futuros mergulhem nos atributos distintivos dos solos tropicais e nas implicações específicas desse bioma, particularmente no contexto do Brasil. Ao fazer isso, podemos adquirir uma compreensão mais abrangente e acurada de como as práticas agroflorestais impactam diferentes regiões e países.