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Como aquecer água com a composteira

Água quente é uma necessidade diária para quase todos os humanos. Seja para cozinhar ou fazer um chá, esterilizar um vidro para compota ou tirar a gordura de uma assadeira, precisamos de água quente. Além disso, tem o banho quente, o escalda-pés, a água para depenar a galinha, para fazer nebulização, para lavar roupa muito suja. Podemos também usar não a água em si, mas o seu calor. Como usos indiretos poderia citar o transporte de calor de um lugar para outro, como no aquecimento de ambientes (solo, paredes, do ar, chocadeiras, estufas, secadores de baixa temperatura) e a produção eletricidade (turbina a vapor).

Dependendo do uso, a temperatura da água terá que ser maior (vapor) ou menor (banho). Mas independente disso, ter água previamente aquecida é sempre uma vantagem, pois reduz o tempo de aquecimento e o consumo de energia.

Compostagem termofílica

Uma das formas mais ecológicas de fazer isso é usar o calor gerado pela decomposição de matéria orgânica numa pilha de compostagem. Em geral, esse calor é perdido para a atmosfera. Entretanto, existem formas de utilizá-lo, como com a clássica serpentina.

Imagina: uma composteira bem montada pode passar de 65 graus em dois dias depois de iniciada!

No Manual da Arquitetura Descalça, Johan van Lengen mostra a técnica da serpentina para aquecer o ar de uma casa de clima temperado.

Manual da Arquitetura Descalça, Lengen (2014)

Existem muitas formas de decompor matéria orgânica. Dá para espalhar pelo chão como “faz” a floresta, juntar num canto como “faz” a enxurrada, ou empilhar como fazem alguns animais. Seja qual for o formato, são os microrganismos que transformam um tipo de matéria (folhas, cascas, carne) em outro (xixi e cocô de bactérias, gases, novas células). Em condições específicas de umidade (60-70%), tamanho dos pedaços do material (até uns 2cm), relação entre carbono e nitrogênio (25-35:1) e quantidade de oxigênio, a pilha de compostagem irá aquecer. Da mesma forma como nós, humanos que ao comer e respirar, produzimos calor e gás carbônico, as bactérias fazem a mesma coisa. E sabendo que isso pode acontecer, que tal aproveitar esse calor?

Composteira na Permacultura

Dentre os princípios de planejamento permacultural de Bill Molison, destaco o seguinte:

  • cada elemento deve estar interconectado com diversos outros e
  • cada elemento deve cumprir diversas funções.

No caso da composteira, para que ela seja mais que um “gerador” de composto maravilhoso, ligando a cozinha (e/ou a floresta) com o jardim/quintal/horta, podemos transformá-la num aquecedor, seja para uma casa, um galinheiro ou uma estufa.

Para aquecer água, então, podemos fazer como mostra a figura acima, de van Lengen, mas em vez de passar ar pelas mangueira, passamos água.

Termosifão

Sem o auxílio de uma bomba, o sistema da serpentina movimenta a água aproveitando a diferença de densidade entre a água fria e a água quente (com o ar acontece o mesmo). A água fria é mais densa, aí ela pesa e naturalmente desce no reservatório. Em contraste, a água quente é menos densa, mais leve, e naturalmente sobe. Esse processo físico é chamado de convecção natural e é a base dos termosifões.

O aquecedor solar é um termosifão.

Um termosifão é basicamente composto de: um coletor de calor, o cano de água quente que sai do coletor, o reservatório, o cano de água fria que entra no coletor, um cano para entrada de mais água fria e outro para a saída da água aquecida.

Na indústria, é comum usar dois circuitos separados, mas que trocam calor no reservatório:

  • um por onde passa um fluido com alta condutividade térmica que recebe o calor e leva-o até o reservatório;
  • outro por onde passa a água que será usada.

Aqui na minha casa, o sistema que montei é muito mais simples. Se você montou uma pilha de compostagem com as condições para que ela aqueça (para que apareçam bactérias que gostam de calor, termofílicas), então, basta enrolar uma mangueira e enterrá-la dentro da pilha. A serpentina é o próprio reservatório e só tem o circuito da água que esquenta. Quando vou usar a água aquecida pelas bactérias, ligo uma entrada da serpentina na torneira. A água fria então, empurra a água quente para a saída que, no meu caso, está ligada no chuveiro.

Cálculo do reservatório

Nessa montagem, a quantidade de água quente disponível é apenas aquela que ficou aquecendo na mangueira dentro da composteira. A conta é simples:

Água quente = comprimento mangueira * área da seção mangueira / 1000

onde a área da seção é dada por: 3,14 * ( diâmetro / 2 )²

Se eu botar 100m (ou seja, 10000cm) de mangueira de 1/2 polegada (ou seja, 1,27cm de diâmetro) como serpentina/reservatório, então:

Água quente = 10000 * 3,14 * ( 1,27 / 2 )² / 1000 = 12,5 litros

Dependendo da fase em que a composteira está, é muito provável que seja preciso adicionar água fria para ter um banho agradável, pois a água pode sair muito quente.

Aí, chega o inverno…

A época do ano que mais precisamos de calor é no período frio. No sul do Brasil, onde moro, a temporada do banho quente atravessa o inverno, indo de março até outubro, mais ou menos. Entretanto, com as mudanças climáticas, nunca se sabe quando será dia de vestir as polainas.

Conversando com um amigo sobre o aquecimento de água com a composteira, esbarramos em duas perguntas muito boas. Ele mora na patagônia argentina e também monta composteiras termofílicas. Por viver num clima onde a neve tem presença garantida todos os anos, ele ficou muito entusiasmado com a ideia de ter água quente movida a bactérias.

Mas, afinal:

  • A composteira esquenta o suficiente mesmo no inverno, que é quando mais precisamos de água quente?
  • Como conseguir, durante o inverno, os materiais na proporção certa para que a composteira esquente?

Composteira na neve esquenta?

Para ser direto e reto: sim, ela esquenta. O entusiasta da compostagem e um dos maiores divulgadores da horticultura sem cavar, Charles Dowding, todos os anos acompanha suas baias de compostagem aquecerem, mesmo durante o inverno da Inglaterra (latitude 51N). No youtube tem dezenas de vídeos mostrando pessoas de climas temperados usando o calor da composteira.

Composteira atingiu 55⁰C no frio da patagônia argentina (latitude 42⁰S).

Há dois grandes pontos para cuidar: fazer uma pilha bem montada – que tenha boa estrutura, água, composição e tamanho certos; e estar de olho nela para ver se algo precisa ser feito. Por exemplo, se a composteira estiver no tempo e for chover muito, é preciso cobri-la. Mas se ela estiver numa baia coberta, é preciso lembrar de molhá-la.

Se a pilha de compostagem for sendo construída aos poucos, é provável que ela não esquente muito. Montá-la de uma vez é mais garantido.

De onde vem o material?

Se a necessidade de água quente dura o ano todo ou apenas os meses de inverno, não importa: temos que conseguir os ingredientes para seguir alimentando-a.

Depois que a pilha atinge sua temperatura máxima (uns 65 graus, por exemplo), ela vai esfriar até atingir a temperatura ambiente. Isso é sinal de que a comida fácil para as bactérias não está mais tão disponível. Então, você pode adicionar mais material e água e revirá-la.

Durante o inverno, porém, as plantas se “recolhem”, muitas delas perdem as folhas e esperam pelo retorno do calor. De onde vai sair o material verde, rico em nitrogênio?

Da mesma forma que guardamos comida para a estação de escassez, podemos estocar comida para as bactérias. O material seco e marrom estará disponível. Já o material verde pode ser triturado e secado para uso futuro (o nitrogênio não vai embora durante a secagem, somente na decomposição). Porém, um jeito mais fácil é usar esterco animal. Geralmente, quem tem animais, costuma guardar forragem para eles. Se eles comem, também cagam. E nós também cagamos. Tudo isso são ótimos materiais verdes para alimentar a composteira no inverno!

E como faz para ter calor por tanto tempo?

A experiência mais incrível que já tive notícia do uso da composteira para produzir calor foi a realizada por Jean Pain, na França. Nos anos 1960 e 70, ele e sua esposa, Ida, construíam pilhas gigantes de poda triturada de onde era extraído metano para usar num carro e para produzir eletricidade, água quente para usar na cozinha, no banho e para aquecer a casa e a estufa e, por fim, composto de alta qualidade para a horta e o pomar.

A composteira de 80 metros cúbicos e 40 toneladas de poda ramial triturada fornecia água quente durante 18 meses!

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